Ele deixou Luiza primeiro, até hoje tenho dúvidas se o motivo disso foi porque ela realmente morava mais perto ou se Juca também está a fim de ficar à sos comigo, porque eu estava e muito!
Do alto da minha solterice, o achei gato demais, o papo era bom e fluiu como nunca. Por alguns minutos, consegui até esquecer o malinha do Pedro, meu rolo do aplicativo de relacionamentos. Chegando ao meu destino tive o ímpeto de chamar o Juca para subir até o meu apartamento, mas pensei com meus botões: “Vanessa, não seja tão atirada!”
Estava tão absorta entre esses devaneios que quando me dei conta o rosto de Juca já estava muito próximo ao meu. Curti a iniciativa, dei nele um selinho rápido e pulei no carro. Juca sorrindo, me olhando de dentro do carro, esperou-me entrar no prédio e antes de dar a partida jogou um “A gente se vê!”
“Ah que noite, que noite!” – suspirei, entrando no apartamento. Mal cheguei, larguei a bolsa em um canto e fui logo procurar Juca no Instagram. Achei! Dei like nas duas fotos mais recentes e, quando estava quase caindo no sono, ouvi um barulhinho de notificação. Achei que pudesse ser o Juca curtindo minhas fotos também, mas era mensagem do Pedro: “Boa noite, né!”
Esqueci completamente que por volta dessa hora mais ou menos da meia noite eu tinha institucionalizado o meu “boa noite” para o Pedro. Resolvi responder para não ficar chato: “Boa noite, chatinho preferido”, mas como estava exausta, dessa vez, não fiquei de papo e fui dormir.
No dia seguinte, acordei no susto. Sequer ouvi o despertador tocar. Para variar: tive um sonho daqueles tórridos com o Juca. Tentei voltar depressa à órbita, água gelada no rosto e vesti a primeira roupa que vi na frente. O trabalho me chamava e aquela farmácia não era a mesma sem mim. Por um triz não me atrasei.
Assim que entrei, olhei para o balcão e avistei a Luiza com a cara mais lavada possível: “Meu primo tá vidrado em você hein” e eu querendo bancar a desentendida-desinteressada: “Capaz, Lu! A gente se conheceu ontem.”
No intervalo do almoço peguei o celular e me surpreendi com tantas notificações: tinham curtidas do Juca, inúmeras mensagens do Pedro e uma única do Juca: “Quer carona para casa hoje também?”… ah é claro que aceitei instantaneamente e (instagramavelmente) com uma figurinha daquelas estilo “já tô com roupa de ir”. E quanto às mensagens do Pedro: “Van, você tá estranha.” “Van, fala comigo.” “Van, você nunca foi tão seca assim comigo nas mensagens… o que ta rolando?”. Bem, todas essas mensagens eu ignorei.
Há algumas semanas, eu jamais teria ignorado o Pedro. Porque mesmo a gente ainda não tendo se conhecido pessoalmente, eu adorava conversar por longas horas com ele. Culpa dos algoritmos, Pedro e eu temos infinitas afinidades. Entre eles o gosto musical para MPB, que já é um brilhante diferencial, tendo em vista que a maioria do pessoal do meu convívio curte sertanejo ou funk.
Ai como eu amo o Pedro, ou achava que amava. Sim, passei meses acreditando que ele era o amor da minha vida, compartilhava com ele fotos e vídeos em tempo real da minha rotina e ele fazia o mesmo comigo. Até que isso foi cansando, porque parecia que à medida que nossa “intimidade no mundo virtual” aumentava, mais nosso encontro ao vivo e a cores demorava para acontecer.
Ele, na defensiva, alegava que não queria “ir rápido demais”, que antes de nos vermos de fato era bom nos conhecermos bem a respeito um do outro. Ele me mandava cada trilha sonora linda, uma vez me mandou vídeo dele próprio cantando “Garotos II” do Leoni: “Garotos não resistem aos seus mistérios”.
Não resisti mesmo, me sentindo a Paula Toller, gravei “Garotos” para ele: “Garotos perdem tempo pensando em brinquedos e proteção, romance de estação, desejo sem paixão, qualquer truque contra a emoção.”
A sensação de proximidade que eu tinha dele era tamanha, mas ao mesmo tempo tão distante. Como eu podia garantir que aquela música ele não tinha mandado para outras também? E bem que podia, não tínhamos nenhum compromisso afinal. Lá no fundo, eu queria ter. Mas sucumbi à monotonia, as nossas rotinas de mensagens com hora marcada. A Paula dentro de mim cantou: “o nosso amor se transformou em bom dia.”
Foi nesse momento que mais do que nunca desejei não só a carona, mas o Juca, um amor inteiro, nem tanto da realeza, mas real. Um amor em estado de plena presença. Não só de palavra, mas de pele a pele. Carnal.
O meu anseio em sentir o amor se fez urgente, beijei-o demoradamente.O movimento dele foi recíproco como um imã. Então, nessa noite sem passo ensaiado ou hora rigorosamente marcada, descobri que o coração do Juca batia no mesmo ritmo que o meu. Ele curtia pagode e ao som de “Energia Surreal” do Thiaguinho o convidei para subir:
– Que tal um chocolate quente?
Roteirista: Carol Gaertner